Exemplo de planejamento alimentar e avaliação nutricional
O planejamento alimentar na propriedade consiste em avaliar o potencial do ambiente em disponibilizar alimento para o plantel de cavalos. Esta informação servirá de ferramenta para manter o aporte alimentar durante o ano para todos os animais. O primeiro passo é estimar a disponibilidade mensal de forrageiras. A disponibilidade mensal de pasto possui uma estreita relação com as características climáticas ao longo do ano, como a precipitação pluviométrica, a amplitude térmica e as horas de luz (fotoperíodo). Estas condições são importantes para o crescimento do pasto, principal recurso alimentar e nutricional da criação de cavalos. Além das condições climáticas, é extremamente importante o conhecimento da fertilidade do solo, para poder estimar, junto com as condições climáticas, o potencial de crescimento das pastagens ao longo do ano. Neste contexto, é necessário o conhecimento das características de desenvolvimento individuais das espécies presentes nas áreas de pastagens. Esta prática permite identificar a disponibiliadade mensal de pasto ao longo do ano (OFERTA), a qual pode ser comparada com as exigências de consumo de alimento dos animais (DEMANDA).
A OFERTA mensal de pasto, pode ser quantificada por meio de técnicas de avaliação de forragens. A mais utilizada é a técnica da massa de forragem presente em área conhecida. Esta técnica consiste em quantificar a massa de folhas de forragens presentes em um quadrado de 0,5 x 0,5 m. Serão necessárias algumas amostras que representem toda a área de pasto, normalmente são utilizadas 15 amostras. Todas as folhas verdes dos vegetais, nas 15 amostras, deverão ser colhidas nestes 0,25 m2, serem secas e pesadas. O resultado da média em gramas de Massa Seca (g M.S.) em 0,25 m2 deverá ser convertido em kg de M.S. na área total, normalmente kg de M.S. por hectare. Assim, a quantidade de alimento disponível está quantificada neste momento. Mas as forrageiras continuam crescendo e os animais consumindo, então esta técnica deve ser repetida semanalmente ou a cada 15 dias, todos os meses do ano.
A necessidade alimentar diária (DEMANDA) é expressa em percentual e varia de 2 a 3% (2 a 3 kg de M.S. por 100 kg de massa corporal, por dia). Está relacionada com a massa corporal (kg) e com o estado fisiológico (categoria animal). Esta necessidade representa tudo o que o indivíduo deve consumir no dia, exceto a água contida nos alimentos.
A relação entre a OFERTA e a DEMANDA é uma excelente ferramenta para planejar a alimentação anual do plantel. Esta relação pode ser observada em gráficos elaborados em planílhas eletrônicas, os quais permitirão identificar os meses de maior carência de alimento no ambiente e quantificar a real necessidade de complementos alimentares, como fenos e concentrados. Poderá haver meses com sobra de alimento e meses com carência, dependendo das características produtivas do sistema e da demanda dos animais.
A estimativa de CONSUMO (kg de M.S./dia) diário deve levar em consideração a interferência do homem no comportamento natural dos cavalos. Assim, deve-se conhecer o comportamento alimentar natural e identificar quais as práticas de manejo que interferem no consumo diário.
O principal fator limitante a ser considerado é o TEMPO para o consumo de alimentos volumosos, pois a velocidade de consumo de volumosos é lenta e praticamente constante, devido às particularidades de seleção e de mastigação dos cavalos. Qualquer atividade que reduza o tempo de consumo, diminuirá a quantidade total diária ingerida.
Para ESTIMAR O CONSUMO a pasto pode-se propor algumas "regras":
1) A ingestão máxima a pasto é de 2,0 a 3,0 kg de Massa Seca/100 kg de peso, de acordo com o estado fisiológico. Somente as éguas em lactação consomem 3% do peso, as outras categorias, como águas vazias e prenhas, cavalos adultos e potros, consomem 2% do peso em materia seca.
2) Para que ocorra a máxima ingestão a pasto é fundamental interpretar a variável TEMPO. O consumo é distribuído, em média, de 7,2 horas (60%) de dia (diurno) e 4,8 horas (40%) de noite (noturno). O tempo restante das 24 horas são utilizados para outras atividades. Abaixo temos alguns exemplos:
Exemplo 1: A pasto o dia todo. Nesta condição, um cavalo de 400 kg (2% de ingestão) consumirá, nas 24 horas do dia, 8 kg de M.S., se não houver restrição na quantidade de pasto.
Exemplo 2: Animais fechados na cocheira a noite. A quantidade consumida a pasto será reduzida em 40%, assim a ingestão no período diurno será de 4,8 kg de M.S., se não houver restrição na quantidade de pasto.
Exemplo 3: Atividade física. Se houver alguma atividade no período da manhã ou da tarde, a ingestão diurna será reduzida em 50%, assim a ingestão no período diruno será de 2,4 kg. Se estiverem no pasto a noite e se não houver restrição na quantidade de pasto disponível, o consumo noturno será de 3,2 kg, totalizando 5,6 kg de M.S. ao dia.
Exemplo 4: Animais fechados a noite e atividade física em um período do dia. Se as duas coisas acontecerem, a ingestão de pasto no dia (24 horas) será de 2,4 kg de M.S., se não houver ainda restrição na quantidade de pasto disponível.
3) Para que ocorra a máxima ingestão (2,0 a 3,0 kg de Massa Seca/100 kg de peso) não poderá haver restrição de pasto, portanto será necessário que a MASSA de folhas dispovíveis seja pelo menos o dobro da necessidade de consumo. Isto é necessário para permitir aos cavalos maximizarem a capacidade de seleção da dieta. Não podemos esquecer que os animais caminham e excretam sobre a pastagem. Assim, para o consumo de 2,0% são necessárias 16 kg de folhas disponíveis no dia, para um cavalo de 400 kg. Se a massa disponível for menor que o dobro, a ingestão será proporcionalmente menor.
Exemplo 5: Fêmeas paridas (lactantes ou com potro ao pé) fechadas a noite. Pasto com 50% da quantidade de folhas (disponibilidade) para o consumo máximo.
3% do peso = 12 kg M.S. de demanda.
Fechadas a noite = 4,8 kg a menos de consumo a pasto (40% de consumo noturno).
50% de disponibilidade de folhas = 3,6 kg a menos de consumo a pasto.
Balanço do consumo a pasto: +12 kg M.S.(demanda) – 4,8 kg (fechada a noite) – 3,6 kg (50% de disponibilidade de folhas) = + 3,6 kg de M.S. consumidos a pasto, no manejo proposto.
Após quantificar a ingestão diária a pasto é possível identificar a necessidade de suplementação. A suplementação deve ser no mínimo de 50% do consumo em alimentos volumosos, vegetais na forma de fenos ou verdes.
No Exemplo 5, o consumo de alimentos volumosos será de 3,6 kg de M.S., o que representará apenas 30% da necessidade alimentar diária em alimentos volumosos, o que exigirá o fornecimento mínimo de 2,4 kg de M.S. de vegetais na forma feno ou verde, para atender a exigência em alimentos volumosos. Devemos considerar também que o máximo de consumo noturno de alimento volumoso seria de 4,8 kg de M.S. (40% da ingestão noturna).
Balanço alimentar: –12 kg M.S.(demanda) + 3,6 kg de M.S. (consumidos a pasto) + 4,8 kg de M.S. (feno ou verde) = – 3,6 kg de M.S.
Se fornecermos apenas volumoso, a necessidade alimentar não estará atendida, assim deverá ser completada com alimentos concentrados, os quais concentram mais nutrientes, são mais palatáveis e, consequentemente, são ingeridos com maior velocidade. Assim, mesmo que o máximo de alimento volumoso a ser consumido no período noturno seja disponibilizado, o alimento concentrado também seria consumido!
Neste exemplo, poderíamos atender a necessidade alimentar com 3,6 kg de M.S. de concentrado.
A relação final seria 8,4 kg de volumosos e 3,6 kg de concentrado (2,3 de volumosos : 1,0 de concentrados).
Balanço alimentar: – 12 kg M.S.(demanda) + 3,6 kg de M.S. (consumidos a pasto) + 4,8 kg de M.S. (feno ou verde) + 3,6 kg de concentrado.
Deve-se ressaltar que toda dieta segura (menor risco de problemas digestivos) deve conter no mínimo 50% de alimentos volumosos (1,0 de volumosos : 1,0 de concentrados).
Após quantificar a ingestão diária a pasto é necessário qualificar o alimento.
Para ESTIMAR A QUALIDADE da dieta a pasto devemos observar o seguinte:
A quantidade de folhas verdes disponíveis, a diversidade de espécies vegetais presentes na pastagem e o tempo disponível ao pastejo, para que o cavalo possa selecionar e coletar o alimento são indispensáveis para uma dieta de qualidade. Se as variáveis massa de folhas verdes, diversidade de espécies vegetais e tempo de pastejo sofrerem interferências do ambiente ou do manejo, haverá insuficiente consumo de alimento e as necessidades nutricionais, provavelmente, não serão atendidas. Assim, os suplementos volumosos e concentrados deverão ser utilizados para suprir carências alimentares e nutricionais em energia, proteína, aminoácidos essenciais, conteúdos de cálcio, de fósforo, outros minerais e vitaminas.
Para qualificar o pasto, devemos colher uma amostra proporcional de todas as folhas das espécies presentes na pastagem. Pode-se também simular o pastejo, que é o procedimento de colher as espécies e partes das plantas ao observar, por um período de tempo, um cavalo em pastejo. Todo material coletado deve ser enviado a um laboratório para análise bromatológica. O resultado da análise caracterizará basicamente a qualidade do pasto em Energia (Mcal/kg), Proteína Bruta (PB%), Extrato Etéreo (EE%), Fibra Bruta (FB%), Fibra em Detergente Neutro (FDN %), Fibra em Detergente Ácido (FDA %), Cálcio (Ca%) e Fóforo(P%). Os fenos e as forragens cortadas (capineiras) também deverão ser qualificados por análise bromatológica. Em situações que não seja possível realizar esta análise, poderão ser utilizados valores nutricionais, disponíveis na literatura, das espécies vegetais das pastagens .
Caracterizar a qualidade dos alimentos volumosos fornecidos é imprescindível, pois este tipo de alimento deve representar a maior proporção do consumo diário dos cavalos.
No Exemplo 5, o consumo de pasto será de 3,6 kg de M.S., a qualidade do pasto consumido pode ser exemplificado com os seguintes níveis nutricionais:
TABELA 1: Resultado da análise bromatológica do pasto colhido por cavalos em pastejo.
P.B.
10 %
FDA
36,8 %
FDN
73,3 %
EE
2,7 %
RM
8,1 %
Ca
0,29%
P
0,17%
O consumo a pasto em proteína bruta (PB) será de 360 g.
No mesmo exemplo, o consumo de feno será de 4,8 kg de M.S., a qualidade do feno consumido pode ser exemplificado com os seguintes níveis nutricionais:
TABELA 2: Resultado da análise bromatológica do feno fornecido aos cavalos.
9 %
30,8 %
63,3 %
1,7 %
9,1 %
0,2%
0,15%
O consumo de proteína bruta (PB) no feno será de 432 g.
A necessidade em Proteina Bruta, de acordo com o NRC (2017) é de 1228 g/dia.
Balanço da P.B.: –1228 g (Nec. nutricional) + 360 g (pasto) + 432 (feno) = – 436 g P.B.
O concentrado a ser fornecido deve conter 436 g de P.B. Para que os 3,6 kg de concentrado, nas condições do Exemplo 5, forneçam 436 g de P.B. por dia, será necessário 12% de P.B.. Este concentrado (ração) pode ser adquirido de empresas de nutrição animal ou elaborado na própria fazenda. Para tanto, há necessidade de possuir um ingrediente rico em Energia e outro rico em Proteína. Os concentrados comerciais (conhecidos como "ração") são constituídos por vários ingredientes e a qualidade varia de acordo com a proporcionalidade dos mesmos.
Um profissional qualificado poderá elaborar este concentrado (ração) para diminuir os custos com a alimentação dos animais. Além de ajustar a Proteína Bruta, os teores de Cálcio e Fósforo deverão atender as necessidade nutricionais. O raciocíno para estes minerais é exatamente o mesmo da P.B.. Todos os alimentos possuem conteúdos de Cálcio e Fósforo. Se a soma destes conteúdos não atingir as necessidades diárias, as fontes não orgânicas destes minerais como Fosfato Bicálcico, Calcário Calcítico, entre outras, deverão ser utilizadas. A relação final destes minerais deve ser dois de Cálcio para um de Fósforo (2Ca:1P) ou de no mínimo (1Ca:1P).
A Energia Digestível (Mcal/dia) da dieta pode ser estimada ao identificar o conteúdo energético dos alimentos por meio da seguinte fórmula:
ESTIMATIVA DA ENERGIA (E.D. Mcal/kg) – Fonte: NRC 2007. Fenos, Pastagem, e Forragens Frescas: ED (Mcal/Kg M.S.) = 2,118 + 0,01218 x (%PB) – 0,00937 x (%FDA) – 0,00383 x (%Hemicelulose) + 0,04718 x (%EE) + 0,02035 x (% Carboidrato não estrutural) – 0,0263 (% RM); Onde, Hemicelulose = Fibra em detergente neutro (FDN) – Fibra em detergente ácido (FDA) Carboidrato não estrutural = (100 – % FDN – % PB % – EE – % RM ). A fórmula para a energia dos alimentos energéticos e protéicos (concentrados) é a seguinte: ED (Mcal/Kg) = 4,07 – 0,055 x (%FDA) Outra forma mais objetiva de quantificar o aporte energético da alimenatação é o Escore Corporal. Esta técnica consiste em avaliar visualmente a cobertura de gordura subcutânea dos cavalos. Devemos observar os animais individualmente de perfil e de trás.
O cavalo com Escore Corporal 1 (EC1) - Muito Magro, apresentará as costelas proeminentes, a cernelha bem destacada e os ossos pélvicos salientes.
O cavalo com Escore Corporal 2 (EC2) - Magro, apresentará as costelas ainda visíveis, a cernelha destacada e os ossos pélvicos menos salientes com pouca cobertura adiposa.
O cavalo com Escore Corporal 3 (EC3) - Ideal, as costelas não estarão visíveis, mas perceptíveis ao toque, a cernelha visível, mas com cobertura adiposa e os ossos pélvicos quase que impreceptíveis.
O cavalo com Escore Corporal 4 (EC4) - Gordo, as costelas não estarão visíveis e quase que imperceptíveis ao toque, a cernelha pouco destacada devido a cobertura adiposa e os ossos pélvicos pouco visíveis.
O cavalo com Escore Corporal 5 (EC5) - Muito Gordo, as costelas não estarão visíveis, imperceptíveis ao toque, a cernelha não estará visível, devido a cobertura adiposa e os ossos pélvicos não estarão visíveis e haverá acúmulo de gordura nas nádegas, lateralmente à cauda.